Compreenda a Política Nacional de Resíduos Sólidos, seus desafios, avanços, perspectivas e as principais estratégias propostas para longo prazo
Em agosto de 2010, o Congresso Nacional aprovou a Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), marcando um importante avanço na gestão ambiental e no tratamento dos resíduos sólidos no Brasil.
A PNRS introduziu uma abordagem renovada à questão dos resíduos sólidos no país, reunindo objetivos, ferramentas, diretrizes, metas e ações a serem implementadas pelo Governo, seja de forma independente ou em colaboração com Estados, Distrito Federal, municípios ou entidades privadas. Essas medidas visaram reestruturar as práticas de gestão de resíduos sólidos e resolver os desafios ambientais e sociais associados.
Alguns dos principais aspectos da PNRS incluíram:
Hierarquia na gestão de resíduos: A PNRS estabeleceu uma hierarquia na gestão de resíduos sólidos, com prioridade para a prevenção da geração de resíduos, a redução, a reutilização, a reciclagem, o tratamento adequado e a disposição final ambientalmente correta.
Resíduo como recurso econômico: Reconheceu que os resíduos sólidos podem ser considerados recursos econômicos, passíveis de reutilização, reciclagem e com valor social, gerando empregos, renda e promovendo a cidadania.
Responsabilidade compartilhada: Introduziu o conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, atribuindo responsabilidades à indústria, ao governo e aos consumidores para reduzir os impactos na saúde humana e na qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.
Logística reversa, educação ambiental e coleta seletiva: Estabeleceu a logística reversa, a educação ambiental e a coleta seletiva como elementos cruciais na gestão dos resíduos sólidos no Brasil.
Integração de catadores de materiais recicláveis: Reconheceu a importância da inclusão dos catadores de materiais recicláveis nas ações relacionadas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, incentivando a organização desses profissionais em cooperativas e associações.
Princípios do poluidor-pagador e protetor-recebedor: Estabeleceu os princípios do poluidor-pagador, que responsabiliza quem causou o dano ambiental pelos custos de sua reparação, e do protetor-recebedor, que implica que quem protege o ambiente deve receber benefícios pela mitigação de danos causados por poluidores.
Planos de resíduos sólidos para cumprir metas: Exigiu que municípios, estados e a União desenvolvessem planos de gestão de resíduos sólidos, com o objetivo de erradicar os lixões até 2014.
Responsabilidade compartilhada
Nem sempre é possível evitar a geração de resíduos, mas é crucial reconhecê-los como recursos econômicos e de valor social sempre que possível. Nesse contexto, para abordar a questão dos resíduos desde sua criação, a PNRS introduz o conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, com o propósito de assegurar a gestão adequada dos resíduos sólidos.
Assim, todos os participantes ao longo do ciclo de vida de um produto, desde sua geração até a disposição final, compartilham a responsabilidade. Isso abrange o setor empresarial (fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes), os consumidores e o governo (titular dos serviços e do manejo de resíduos sólidos).
Pilares fundamentais e principais atores responsáveis pela da gestão de resíduos
A figura acima ilustra os três pilares fundamentais que compõem os principais atores encarregados da gestão de resíduos, cada um com suas principais responsabilidades:
Coletividade
Responsável pela separação dos resíduos gerados em suas residências, condomínios ou comunidades. Os resíduos orgânicos devem ser destinados à coleta convencional, enquanto os recicláveis devem ser encaminhados à coleta seletiva. Resíduos especiais (como pilhas e baterias) devem ser entregues em pontos de coleta específicos.
Poder Público
Deve planejar, organizar e fornecer (diretamente ou por meio de terceiros) os serviços de manejo de resíduos sólidos, abrangendo as etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Setores Empresariais
São responsáveis por implementar sistemas de logística reversa para reintegrar resíduos sólidos na cadeia produtiva ou para a disposição final ambientalmente adequada. Além disso, devem desenvolver produtos que possam ser totalmente reciclados após o uso, estabelecer sistemas de logística reversa em cooperação com o governo, integrar catadores de materiais recicláveis no sistema de logística reversa e promover a conscientização ambiental entre os consumidores.
O Papel fundamental dos catadores
Em 2010, a PNRS trouxe mudanças significativas ao reconhecer os catadores como atores essenciais na gestão integrada dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). No entanto, muitos catadores ainda enfrentam condições precárias de trabalho, baixos salários, alto risco de acidentes e doenças ocupacionais, bem como a falta de direitos trabalhistas e reconhecimento adequado pela sociedade e pelo governo.
Nesse contexto, a lei incentiva a formação e o desenvolvimento de cooperativas e outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, destacando a necessidade de sua integração em ações relacionadas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
A política também enfatiza que os municípios devem priorizar a participação de cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis na coleta seletiva. Da mesma forma, destaca a importância das organizações coletivas de catadores de materiais recicláveis como parceiros essenciais na logística reversa da cadeia de “embalagens em geral”. Isso reforça a necessidade de uma integração formal desses empreendimentos nos sistemas de gestão de resíduos sólidos recicláveis.
Progressos da PNRS desde 2010
Embora a legislação estabelecida em 2010 tenha fornecido diretrizes positivas, na prática, poucos avanços têm sido conquistados. Mais de 13 anos após a promulgação da PNRS, ainda enfrentamos os seguintes desafios:
Aumento na produção de resíduos
Infelizmente, o princípio da não geração de resíduos não foi adequadamente internalizado, resultando em um aumento de cerca de 20% na produção de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) entre 2010 e 2022.
Permanência de lixões
A maior parte dos RSU coletados (61%) continua sendo encaminhada para aterros sanitários. Por outro lado, áreas de disposição inadequada, incluindo lixões e aterros controlados, ainda seguem em operação em todas as regiões do país e receberam 39% do total de resíduos coletados. São mais de três mil lixões em operação no Brasil.
Desvalorização dos resíduos
Os resíduos sólidos continuam a ser enxergados como desprovidos de valor econômico. A deposição final no solo ainda é a principal forma de tratamento dos RSU no Brasil, com 97% deles sendo destinados a lixões, aterros controlados e aterros sanitários em 2019, conforme dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Baixas taxas de reciclagem
A reciclagem não recebeu a devida priorização, resultando em uma taxa de reciclagem de apenas 5% dos materiais potencialmente recicláveis em 2022.
Subvalorização dos catadores
Não houve progressos significativos em termos de inclusão social ou melhoria econômica para os catadores de materiais reutilizáveis. Apenas 3,7% das prefeituras formalizaram contratos com esses trabalhadores, que permanecem em uma situação de vulnerabilidade ambiental, social e financeira.
Falta de planejamento e estratégia
Apenas em 2020, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES) foi submetido à consulta pública. Além disso, até 2017, sete estados ainda não haviam elaborado seus planos estaduais de resíduos sólidos, e 45% dos municípios brasileiros não haviam entregue seus planos municipais de resíduos sólidos, o que equivale a 2.517 municípios dentre o total de 5.570.
Perspectivas de especialistas
De acordo com especialistas consultados na Tese de Impacto Socioambiental em Reciclagem, produzida pela Artemisia e Gerdau, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) apresenta lacunas na clara atribuição de responsabilidades pelos custos dos serviços essenciais relacionados à cadeia de reciclagem, gerando um impasse notável entre os setores público e privado.
Segundo Especialista em questões ambientais da Tese, “Empresas apontam a responsabilidade dos municípios na prestação de serviços de coleta seletiva, enquanto os municípios reforçam a obrigação das empresas em financiar o processo de logística reversa. Essa discussão persiste há uma década. Os custos da reciclagem estão na operação logística, e é crucial estabelecer transparência na constituição de um ‘fundo’ que cubra essas despesas.”
De acordo com Teresa Villac, especialista em gestão pública socioambiental, “A dificuldade em traduzir a legislação em prática começou no processo legislativo. O tempo que levou para a legislação ser aprovada foi um indicador da falta de maturidade no Brasil para implementar uma política nacional de resíduos. No entanto, conferir valor econômico aos resíduos e incluir os catadores na cadeia reversa da reciclagem foram avanços notáveis. Em muitos aspectos, a Lei de 2010 representou um consenso possível.” –
Para Mateus Mendonça, Consultor em Desenvolvimento Sustentável, “Pela legislação brasileira, a responsabilidade é compartilhada. Eu vejo isso mais como um problema do que uma solução inovadora. Na Europa, com o conceito de ‘responsabilidade estendida do produtor (REP)’, há uma definição clara de quem paga, quem executa e quem recebe pelo sistema de logística reversa. Acredito na liderança do Estado na melhoria da regulamentação e na criação de mecanismos de rastreabilidade para garantir a conformidade das metas estabelecidas para as empresas.”
Por fim, segundo Neusa Serra, especialista em economia do meio ambiente e sustentabilidade, “A Lei é bem elaborada, mas falta coordenação entre sua formulação e implementação. A implementação adequada é essencial, envolvendo todas as esferas de governo e, acima de tudo, a avaliação contínua da política, com a participação de todos os atores envolvidos.” –
Uma estratégia de longo prazo
Há muito aguardado desde 2010, quando a PNRS foi promulgada, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos (Planares) finalmente foi aprovado em abril de 2022. Este documento desempenha um papel fundamental ao orientar políticas públicas voltadas para a melhoria da gestão de resíduos no país. Conforme estipulado pela Lei, o Planares estabelece uma estratégia de longo prazo para efetivar a PNRS. É desenvolvido com base em diagnósticos, metas, projetos e ações, com um horizonte de 20 anos e a obrigação de ser revisado a cada 4 anos.
De acordo com o Plano, até 2040, o índice de recuperação de resíduos recicláveis secos deverá atingir 20% em relação à massa total de RSU. Para alcançar essa meta, o Plano prevê avanços na coleta seletiva, triagem mecanizada integrada à coleta convencional e sistemas de logística reversa, especialmente para embalagens em geral, que compõem a maior parte da fração seca dos RSU. Para se ter uma ideia, apenas em 2019, mais de 281 mil toneladas de embalagens foram introduzidas no mercado.
Essas medidas representam um passo crucial em direção a uma gestão de resíduos mais sustentável no Brasil, com a visão de um futuro mais eficiente e responsável. A seguir, confira algumas metas Estabelecidas pelo Planares (2022):
- Aprimorar a sustentabilidade econômico-financeira da gestão de resíduos pelos municípios.
- Reforçar a capacidade de gestão dos municípios.
- Eliminar práticas de disposição final inadequada, incluindo o encerramento de lixões e aterros controlados.
- Reduzir a quantidade de resíduos e rejeitos destinados à disposição final ambientalmente adequada.
- Fomentar a inclusão social e o desenvolvimento econômico dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.
- Aumentar a recuperação de resíduos secos dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU).
- Expandir a reciclagem de resíduos orgânicos dos RSU.
- Ampliar a recuperação e a utilização do biogás gerado pelos RSU.
- Reforçar a recuperação e a utilização de energia por meio do tratamento térmico dos RSU.
- Estimular a reciclagem de resíduos da construção civil.
- Aumentar a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos provenientes de serviços de saúde.
Referências
- Artemisia e Gerdau, 2022. Tese de Impacto em Reciclagem.
- Brasil, 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei Federal nº 12.305/2010.
- Brasil, 2022. Plano Nacional de Resíduos Sólidos.
- Wirth e Oliveira, 2016. A Política Nacional de Resíduos Sólidos e os modelos de gestão
- Avina e Instituto Ethos, 2015. Princípios e critérios para implementação de alianças públicoprivadas na gestão de resíduos sólidos.
- Mota, 2021. Logística reversa e educação ambiental: o aspecto social dos resíduos sólidos.
- Galon e Marziale, 2016. Condições de trabalhos e saúde de catadores de materiais recicláveis na América Latina: uma revisão de escopo.
- MNCR, 2011. História do MNCR.
- Sant’Ana e Metelho, 2016. Reciclagem e inclusão social no Brasil: um balanço e desafios